Saiba como a vitamina D pode ajudar na autoimunidade.

Há poucas doenças mais irónicas do que as doenças autoimunes. Irónicas, frustrantes e difíceis de compreender: o nosso sistema de defesa é o único responsável por nos fazer doentes. Quem nos devia defender é afinal quem nos ataca. É o equivalente a um estado no qual as forças de segurança públicas, as tropas e os exércitos que deveriam proteger o país de ameaças dedicam-se a atacar as suas próprias populações inocentes, muitas vezes de forma gratuita, aleatória, "porque sim".

As doenças autoimunes, como grupo, são mesmo isso: um conjunto de patologias que surgem quando o sistema imunitário reconhece como "agressores" partes do nosso organismo que não o são - células, proteínas, moléculas - e desenvolve reacções de ataque contra elas.

Todas elas partilham a mesma disfunção base: um processo de desregulação da função imunitária que identifica erradamente elementos saudáveis do corpo como alvos a eliminar. Mas, porque um mal nunca vem só, enquanto está focado em atacar-nos, deixa de ser eficaz em defender-nos contra o que realmente devia: infecções, doenças oncológicas,...

Numa altura em que o Mundo se apercebe que a nossa capacidade de defesa é mesmo a nossa melhor defesa, quem sofre de uma destas doenças está particularmente vulnerável com este duplo risco. Para eles, não se deve discutir qual é o melhor tratamento ou se esta opção é mais certa do que outra mas sim o que pode ser feito para melhorar a função imunitária. Ponto.

Deixe-me perguntar-lhe: se estivesse no meio de uma guerra contra um inimigo extremamente poderoso e que pode facilmente destruí-la/lo, não quereria ter à sua disposição todas as armas, ferramentas e estratégias possíveis para que suas as probabilidades de vitória fossem maiores? Eu quereria, com toda a certeza! E, felizmente, cada vez mais pessoas pensam assim.

A verdade é que há muitas abordagens diferentes para o tratamento de doenças auto-imunes. Todas elas com casos de “sucesso” comprovados, nenhuma delas com eficácia garantida, cada uma com riscos específicos e necessidade de adaptação do estilo de vida. O meu objectivo com este artigo não é comparar opções terapêuticas (ou fazer uma revisão exaustiva da evidência existente sobre elas), é apenas partilhar como é que a vitamina D pode ajudar quem sofre de doenças autoimunes.

Os defensores mais acérrimos da “medicina baseada na evidência” vão dizer que “não há estudos a demonstrar o efeito positivo”, que “não há evidência a suportar o seu uso” e que “a vitamina D não é suportada por evidência científica”. Já escrevi alguns artigos, como este e este sobre estes pontos, que aconselho a ler se tiver curiosidade de que evidência existe sobre o seu uso. Vão também dizer que “não faz nada” porque “eu tomei e não senti nada”, o que de facto é verdade porque não funciona em toda a gente (algo que já partilhei neste outro artigo).

Quem nos procura fá-lo com um propósito: tentar vencer a guerra contra a sua doença auto-imune. Muitos vêm já munidos de armas que, de uma forma ou outra, foram ou são eficazes. Mas, seja porque deixaram de o ser ou porque querem mais para aumentar as hipóteses de sucesso - ou ainda porque viram os resultados positivos noutras pessoas, resultados esses que lhes foi dito ser impossível atingir - trazem uma questão: como é que a vitamina D os pode ajudar? 


Esta é a minha resposta.


A. Influencia no desenvolvimento das respostas autoimunes.


Generalizações são arriscadas porque são sempre dadas a erros mas, correndo esse risco, é possível dizer que as doenças autoimunes são “controladas” por uma “secção” do sistema imunitário chamada Th17, chamando-se assim porque as células Th(elper) que a compõem produzem um mediador específico denominado IL17.

Diversas publicações ao longo dos últimos anos têm demonstrado o seu papel em diferentes doenças autoimunes como psoríase, esclerose múltipla, artrite reumatóide, doença inflamatória intestinal, lupus, … Ora, se esta resposta Th17 é uma peça fundamental para o desenvolvimento deste tipo de patologias, é claramente um alvo preferencial para as combater!

É exactamente aqui que o papel da vitamina D começa: reduz a produção e expressão de IL17.

Um estudo publicado em 2010 demonstrou que, quando a vitamina D sofre o processo todo de activação e se liga ao seu receptor VDR com sucesso, consegue reduzir a produção dessa interleukins 17 o que, por sua vez, diminui o desenvolvimento das células Th17. Por outras palavras, o número de “agentes coordenadores do ataque contra o corpo” diminui!

Podia ser o único estudo publicado nesse sentido…mas não seria a mesma coisa, como diz o outro. E, de facto, não o é. Centenas de estudos têm sido publicados nos últimos anos a estudar este efeito e o impacto que a vitamina D poderá ter na saúde destas populações.

Mais recentemente, uma equipa de investigadores holandeses mostrou algo ainda mais interessante - e com maior impacto na saúde: não só verificaram os mesmos efeitos de redução de mediadores pró-inflamatórios como a IL17 ou o IFNg, como verificaram que o tratamento com vitamina D transforma as células atacantes em células defensoras!

É quase como se houvesse uma reeducação das tropas e elas voltassem finalmente a perceber que a sua preocupação é defender do exterior e não atacar o interior! Fascinante!!!

Agora, em termos práticos, o que lhe parece que vai acontecer à actividade da doença quando isto acontece? Pois…


B. Influência a actividade da doença

Se aumentar a vitamina D diminui os mediadores que estão na base da auto imunidade, não pode ficar surpreendido se lhe disser que a falta desta vitamina está associada ao desenvolvimento destes quadros e à agressividade da doença! De facto, inúmeras publicações demonstraram essa associação entre níveis reduzidos de 25(OH)D3 e incidência de patologias autoimunes assim como maior agressividade da doença.

Por outras palavras, quanto menos vitamina D, maior a probabilidade de desenvolver uma doença auto imune e, se isso acontecer, maior a sua actividade e agressividade.

Perante estes dados, faz sentido que haja tanta vitamina D em circulação quanto seja necessária para tentar optimizar a função do sistema imunitário e atacar a doença auto imune na sua base, no ponto molecular que lhes é comum.

É fundamental frisar que não se trata de usar a vitamina D em vez de qualquer outro tratamento. Voltamos ao ponto inicial: quem não quer ter à sua disposição tantas armas quantas sejam possíveis? A vitamina D parece ser uma dessas armas - e que funciona de uma forma muito inteligente e com um alcance muito alargado.

Quanta vitamina D deve tomar? Excelente questão! Adorava ter uma resposta clara e objectiva para lhe dar mas não é possível, o que me leva ao próximo ponto.


C. O uso eficaz de vitamina D é altamente personalizado

Acho incrível quando, em pleno ano de 2022, ainda me vejo obrigado a argumentar o óbvio: se somos todos diferentes, porque raio haveremos de precisar do mesmo tratamento?

Dois carros diferentes precisam de manutenções diferentes, consomem combustível a um ritmo diferente e têm capacidades diferentes. O mesmo acontece com duas casas, duas empresas, duas equipas…e é exactamente o mesmo com duas pessoas! Todos temos o nosso próprio código genético que, sendo muito semelhante entre todos nós, permite que sejamos únicos e diferentes. Isto não se verifica apenas “exteriormente” pelas características físicas mas também no modo como as nossas células funcionam.

Alterações ao código genético são conhecidas como mutações, que podem existir em diferentes níveis e com consequências muito díspares. Dependendo do tipo de mutação e do local com ocorram podem ter consequências dramáticas e até incompatíveis com a vida ou, por outro lado, serem muito mais pormenorizadas.

É possível que a mutação seja apenas de uma letra do código que, não sendo suficiente para ter um impacto catastrófico, pode alterar a estrutura e influenciar a função do que esteja a ser codificado. Chamam-se a estas variações single nucleotide polymorphisms (SNP) e têm uma influência directa na doença autoimunes.

Em 2015, uma equipa de investigadores do ICBAS-UP publicou um estudo em doentes autoimunes a mostrar que a existência de SNPs no receptor da vitamina D estava associado a maior agressividade da doença, maior dano cumulativo e maior dificuldade de tratamento, concluindo que constitui um factor de risco nestes doentes.

Como é que estas variações podem ter um impacto tão profundo? É simples: reduzem o efeito da vitamina D.

Estas variações existem ao longo de todo o metabolismo da vitamina D, desde os seus transportadores até às enzimas ativadoras, sendo que o local mais estudado é o gene VDR que codifica o receptor da vitamina D. Um polimorfismo neste gene irá alterar a sua estrutura e, com isso, influenciar a sua ligação à vitamina D activada, criando um bloqueio no processo. No fundo, a existência destes SNPs criam uma resistência à sua função, tal como uma barragem cria uma resistência ao caudal de água de um rio, que só a consegue continuar rumo ao mar se conseguir ultrapassá-la.

Estas variações genéticas têm sido associadas a muitas doenças autoimunes - esclerose múltipla, lupus, artrite, psoriase, espondilite anquilosante, entre outras.

É a existência destes polimorfismos que impede que haja uma dose única eficaz, já que, novamente, somos todos diferentes e, por isso, temos resistências diferentes e, logo, necessitamos de concentrações de vitamina D diferentes para ter o mesmo efeito benéfico. É este o princípio do uso de altas doses de vitamina D para o tratamento de doenças autoimunes desenvolvido pelo Professor Cícero Coimbra.

No Protocolo Coimbra são utilizadas doses mais altas de vitamina D do que o “normal” para que seja possível “ultrapassar” as resistências e conseguir maximizar o seu efeito biológico, tentando com isso reduzir a produção de mediadores como a IL17, diminuir o número de células Th17 e a sua reversão para células imunes eficazes, “desligando” uma causa para a doença autoimune. O impacto abrangente que a vitamina D explica porque a sua otimização afecta doenças autoimunes tão diferentes, com resultados potencialmente muito positivos.

Uma doença autoimune não tem de ser uma sentença. É possível combatê-la e ter sucesso. É possível vencer a guerra. É possível.





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