Primeira razão porque não sigo nem recomendo uma dieta vegetariana

Falar sobre nutrição e alimentação nos dias que correm é entrar numa guerra violenta, entrincheirada, com posições irredutíveis em todos os lados. Dizem que "no meio está a virtude" mas estar no meio é estar num campo minado, na terra de ninguém, tornando-se o alvo de todos. Ao escrever este texto sobre dieta vegetariana ou plant-based sei que estou a meter-me nesse campo. Faço-o conscientemente com um único objectivo, o de ajudá-lo/a a tomar as melhores opções para a sua saúde e performance.

A vontade ou até a necessidade de me debruçar sobre este tópico nasceu, na verdade, dos meus doentes. Felizmente tenho a possibilidade de ter extensas "discussões" durante as nossas consultas (que duram muitas vezes mais de 45 minutos) sobre saúde, performance e biohacking. Consigo conhecer nuances e pormenores que de outra forma não seria possível, o que permitiu levantar questões sobre a dieta vegetariana.


Fruto dessas conversas reparei que há pontos comuns a muitos que a seguem:

  • Sentem-se melhores após iniciar este plano mas as melhorias desaparecem ao fim de algum tempo

  • Adoptaram este plano baseado na premissa de que é o melhor para a saúde e performance

  • Fizeram-no por questões ambientais, apesar de fisicamente não se sentirem bem

  • Sentem necessidade de comer mais e mais vezes


Mergulhei, por isso, na ciência e nos argumentos que são usados para a defender com um único objectivo: descobrir se é de facto uma opção para quem quer ter o melhor nível de saúde ou performance.

Antes de partilhar as minhas descobertas, tenho de referir alguns pontos:

  • É mais do que óbvio que há quem se sinta magnificamente bem a seguir este plano alimentar ao longo dos anos. Nesse caso, para quê mudar? Se segue uma dieta vegetariana e não sente qualquer espécie de problema, não mude.

  • Melhorar a saúde, prevenir doenças e otimizar a performance não é o mesmo de tratar doenças e, naturalmente, podem existir diferenças significativas entre as estratégias nutricionais para ambas as situações (por exemplo em relação à quantidade de proteína e à activação da mTOR em contexto oncológico). Nesta série de textos foco-me na primeira parte.

  • Não pretendo com este texto defender uma estratégia alimentar específica mas sim debruçar-me sobre os méritos e mitos da dieta vegetariana, vegan ou plant-based.


Hoje debruço-me sobre as origens de a dieta vegetariana ser considerada a opção mais saudável e de como fomos todos provavelmente induzidos em erro.


Acredito que, tal como eu, cresceu com esta imagem por perto:

Lembro-me de ter na parede da minha escola primária um poster parecido com este e de tê-la estudado ao longo dos anos como base do que seria uma alimentação saudável. Deve ter passado pelo mesmo.

A Pirâmide Alimentar tem servido com guia das opções alimentares de todo o mundo desde os anos 80. Foi criada pela United States Department of Agriculture (USDA) de modo a orientar as escolhas nutricionais dos americanos como tentativa de travar o aumento de doenças cardíacas, algo que passou a ser preocupação pública número 1 depois do Presidente Eisenhower ter sofrido múltiplos ataques cardíacos.

As indicações que a imagem nos dá são claras: a base da alimentação deveriam ser cereais, seguidos de legumes e fruta. O consumo de gorduras, doces deveria ser tão limitado quanto possível, havendo também uma restrição dos produtos de origem animal.


Olhando para estas indicações, o plano alimentar que cumpre todos estes requisitos é a dieta vegetariana: é pobre em gorduras (particularmente as de origem animal) e rica em tudo o que seja vegetal: cereais, frutas e legumes. Surgiu assim a conotação desta opção como sendo a mais saudável.

Perante a importância que esta imagem teve e continua a ter na população mundial, seria de esperar que tenha sido o fruto de discussões dentro comunidade científica, de médicos e nutricionistas, após reunidos todos os argumentos pró e contra, ter sido alvo de estudos conclusivos de que é a melhor opção para a nossa saúde e, só depois de serem esclarecidos estes pontos, se tornar "política pública".

Durante muitos anos assumi que assim teria sido. Mas estava errado, muito errado.

A Piramide Alimentar é a representação gráfica do documento Dietary Goals for the United States, o relatório final do McGovern Committee. Escrito em 1977 por Nick Mottern, este documento é o resumo da série de audiências Diet Related to Killer Diseases que tiveram lugar no senado norte-americano lideradas pelo Senador McGovern durante esse ano.

Por não ter formação em ciência, medicina ou nutrição, Mottern escolheu para seu conselheiro científico Dr Mark Hegsted, que liderava a American Heart Association, a maior associação de médicos cardiologistas. Era um assumido objecionista da carne por questões éticas e ambientais e acérrimo defensor de uma dieta baixa em gordura e sem produtos animais como melhor dieta para evitar doenças cardiovasculares.

Esta estratégia alimentar low-fat, denominada anos antes por “dieta prudente para americanos”, nasceu da campanha liderada por Ancel Keys e Jeremiah Stamler contra a gordura saturada pois, segundo eles, era a causa das doenças cardiovasculares e, eliminando-a, acabar-se-ia com as mortes cardíacas. Surgia a Diet-Heart Hypothesis.

Na base deste argumento estão estudos observacionais realizados por ambos em diferentes populações do mundo, sendo o mais conhecido o “Estudo dos Sete Países”, no qual avaliaram o padrão alimentar de populações de países que sofriam de níveis baixos destas patologias, na tentativa de descobrir qual o melhor para a saúde. Os territórios fundamentais nesse estudo foram Creta, na Grécia, e o Sul de Itália.

Com ótimas capacidades oratórias e financiamento, fizeram chegar as conclusões aos 4 cantos do mundo: "Estas populações que não sofrem de doenças do coração não comem gordura saturada ou produtos de origem animal! Encontrámos a solução para os nossos problemas”, desencadeando assim 60 anos de recomendações alimentares.

Na altura, estas foram amplamente criticadas por médicos, lipidologistas e nutricionistas, apontando de uma forma ou outra a inexistência de evidência científica suficientemente clara e robusta para suportar a hipótese de a gordura saturada estar associada a maior risco cardiovascular, e as recomendações que daí nasciam.

Deixo-lhe 3 "particularidades" do Estudo dos Sete Países para que possa tecer as suas conclusões:

  • A colheita dos dados foi feita nos anos 50, numa altura em que a Europa se recuperava da Segunda Guerra Mundial, com níveis altíssimos de pobreza das populações do estudo. O ambiente socio-económico impossibilitava a compra de carne, significando que o seu consumo reduzido não se devia a uma escolha livre mas uma "obrigação" económica (curiosamente, quando o seu poder económico aumentou, voltaram a comer carne de acordo com as suas tradições, não tendo sido verificado aumento dos níveis de doenças crónicas);

  • A terceira e última colheita de dados observacionais foi feita durante um período de jejum religioso que proibia o consumo de produtos animais, não tendo esse facto sido reportado no relatório do estudo. Deram por isso a entender que a alimentação sem carne era o normal, quando claramente era o resultado de um contexto extraordinário;

  • Os recipientes nos quais eram recolhidos e enviados os alimentos para análise da sua composição bioquímica em termos de macro-nutrientes (hidratos de carbono, açúcares e gorduras) absorviam gordura, o que reduzia a sua quantidade na análise final.

Qualquer um destes pontos deveria ter destruído a teoria de Keys. Ainda assim, e apesar das críticas e das limitações apontadas (e que continuam a ser apontadas), a mensagem passou e foi ganhando importância.

Após ter sido redigido e aprovado o documento final pelos membros do McGovern Committee, foi criada a USDA, responsável por fazer aplicar as leis referentes à agricultura e alimentação, em particular as indicações integrantes relatório redigido por Mottern.

Para tentar gerar o maior consenso e maior apoio científico à sua volta, foi então pedido à American Society of Nutrition que revisse essas recomendações e a ciência que as suportavam.

A conclusão não foi a esperada: havia apenas evidência indirecta a suportar as recomendações, não se mostrando a favor por isso a fazer da sua implementação.

Apesar disso, o processo avançou, tornando-se literalmente lei.

Isto significa que a criação da Pirâmide Alimentar, o elemento de informação nutricional mais influente da história da Humanidade, foi o resultado de um relatório escrito por um político, aconselhado por um médico proeminente com uma visão enviesada pelas suas opiniões pessoais, sem ter sofrido revisão científica séria ou colhido um elevado consenso entre a comunidade científica, tendo por base estudos observacionais desenhados para provar um ponto pré-determinado e com falhas técnicas graves que, hoje, impediriam provavelmente a sua publicação.

E assim se iniciou o que pode ser considerado a maior intervenção nutricional de toda a história: a de que os produtos animais se tinham tornado tóxicos e o maior perigo para a saúde humana quando esse consumo, em particular da sua gordura, parece ter sido o factor que levou à última fase da evolução do Homem: a do crescimento do córtex pré-frontal. Curioso, não é? Veja o que diz Harvard e a Scientific American sobre este tópico.

A dieta vegetariana, com baixos níveis de gordura e de produtos animais, nasceu assim de um contexto “torto”. Ora, será que o ditado “quem nasce torto, tarde ou nunca se endireita” se continua a aplicar ou ter-se-á endireitado, com nova evidência? No próximo texto desta série, irei responder a esta questão.

 
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