Q: “Em que se manifesta o desgaste biológico das glândulas supra-renais?”

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Isto é uma espécie de Q&A, em que respondo a perguntas que me colocam ou enviam.


As glândulas supra-renais são dois pequenos orgãos localizados acima dos rins cuja função é, de forma simples, produzir hormonas de reacção ao stress: cortisol, adrenalina e DHEA.

São de certa forma a central de controlo dessas respostas e da nossa adaptação e recuperação posterior.

Por essa razão, são glândulas muito requisitadas em situações de stress, tanto agudo como crónico. No entanto, estão muito melhor adaptadas para o primeiro cenário: a resposta aguda. Evoluímos aprendendo a desenvolver respostas imediatas de resposta a sermos perseguidos por um leão. A nossa sobrevivência dependida disso.

Uma das premissas desses processos era termos de usar todas as ferramentas para sobrevivermos, não poupando nada sob risco de sermos caçados. A outra premissa era a de que, se sobrevivêssemos, teríamos tempo e oportunidade para repousar, recuperar e recarregar baterias. Gastávamos tudo e recuperaríamos.

O cenário nos dias de hoje é bastante diferente: os episódios de stress agudo foram substituídos por um espectro de stress contínuo.

A existência de níveis contínuos de stress (seja físico ou mental, emocional ou profissional) obrigam a que desenvolvamos e executemos continuamente respostas de stress. Contudo, não temos a capacidade, disponibilidade ou até tempo para recuperar - tal como fomos programados para fazer.

Continuamos a puxar pelo sistema, impulsionados pela necessidade ou vontade de respondermos aos desafios que nos são postos ou impostos.

Este estado leva a que consumamos mais energia, mais recursos do que conseguimos recarregar, originando um défice. Se em termos de aparelhos electrónicos esse défice se mede em reserva de bateria, em termos biológicos falamos em “reserva metabólica”.

Todas as nossas respostas ao stress consomem recursos, tanto na execução da resposta como na fase de recuperação e de reconstrução.

Não só temos de ter capacidade de agir como de nos restabelecermos e voltar ao nível de homeostasia, de equilíbrio saudável. Esses recursos são neurotransmissores, co-factores e as hormonas, em particular cortisol.

Dando tempo ao tempo - e aqui o tempo é definido em vários anos, a existência desse défice leva a que deixemos de conseguir actuar ao nosso melhor nível, levando a quebras de saúde e performance.

É o primeiro passo de um processo que tecnicamente se chama de “disfunção do eixo hipotálamo-hipófise-supra-renal” (Hypothalamic-Pituitary-Adrenal axis, em inglês), mais conhecido como Burnout.

Dito de uma forma simples, o Burnout é o estado “final” de um quadro caracterizado por uma incapacidade de os nossos sistemas actuarem de forma adequada às circunstâncias. Neste capítulo de stress, as glândulas supra-renais são peça central.

O “desgaste biológico” manifesta-se pela incapacidade de produzir cortisol de forma adequada, seja em termos de quantidade diária seja em termos do ritmo no qual é produzido e libertado.

O espectro de sintomas é bastante vasto, indo de uma dificuldade maior em acordar com energia e necessitar de maior quantidade de estimulantes (como o café) para que o “motor arranque” e sentir que está em plenas capacidades cognitivas, emocionais e físicas, até uma incapacidade completa de funcionar, um esgotamento físico completo.

Aliás, esta característica é um dos maiores problemas associados ao burnout - a sua inespecificidade, podendo ser muitas vezes mal diagnosticado como um problema de saúde mental, como a depressão.

Este é provavelmente um dos aspectos mais frustrantes deste cenário, evitando que milhares de pessoas sejam correctamente ajudadas: ser tratado como um problema de saúde mental, quando é um problema sistémico, global. A manifestação “mental” é só a ponta do iceberg.

Quantas grandes mentes com grandes ideias e grandes projectos não mudaram o mundo porque foram tratadas com antidepressivos quando o que precisavam era “apenas” que lhes fosse dado o que necessitavam: as ferramentas, as estratégias e a oportunidade de repousar, recuperar e recarregar as baterias.

 
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